Arca de Quimeras




Náo é diário ou fadário
O que de mim esperas…

O diário dum fado triste
Não o ouviste
Aos sons do campanário…

O diário dum fado triste
Só existe
Nas relíquias austeras
Do relicário…

              … ou na Arca de Quimeras!


Fui coleccionador,
coleccionador
de tristezas

Tive uma Arca
de coisas malfeitas
onde guardava
as minhas tristezas.

Guardei
tristezas raras…

Fiquei triste.


Livro


Um dia hei-de escrever um triste livro
P’ra minha louca vida descrever,
Falar-vos-ei dum coração ferido
Por coisas que nem nome podem ter

Das Trevas Para a Luz está batido
Apenas Luz, também não pode ser
Eu Fui no Vosso Mundo um Perseguido;
Vós Fostes Meu Calvário, Meu Sofrer:

Só; Morte; Escuridão; Meu perecer;
Morreu; Triste Afeição; Quero morrer;
Traição; Treva Escondida; Dor; Pudor!

Ó mística ilusão, ser de meu ser,
Foi minha a triste sina de nascer
Em seis de Abril, foi triste o meu amor!


Nesta Lisboa airosa, fresca e boa,
Que abriu mundos ao mundo, noutros tempos!
Lisboa já banhada de lamentos
Em tempos que passei nesta Lisboa.

Num desvario, subo à Madragoa
Fugindo à toa desses meus tormentos…
Loucura, maldição, esses momentos
São gritos de revolta, a vida é loa!

Nesta Lisboa tu, quem dói, quem trai.
O pensamento meu de ti não sai…
Vertigem? Qual a origem? Sentimentos?

Vertigem? Qual a origem? Tu, verdade?
Os excrementos teus, virgem saudade,
À virgem sua enviam cumprimentos…


A vida é sofrimento, é alegria,
É lágrima, é sorriso, é ilusão,
A vida é guerra, é paz, é fantasia,
É sombra, é sol, é luz, escuridão

A vida é cruz, é virgo, é dor, é cria,
É carne, é tronco, é mar, imensidão,
A vida é frustração, paralisia,
É crença, é lar, é amor, é uma canção

A vida é loa, é mito, é noite, é dia,
É fé, é sede, é fonte, é fome, é pão,
É lentidão, coragem, agonia.

A vida é roda imensa que nos guia,
É sonho, é despertar, é uma paixão
Aonde o nosso corpo rodopia
Não fales de um amor desiludido,
Não fales, recordá-lo faz sofrer
E o sofrimento amante do prazer
Nem sofrimento é, no bom sentido

Sofrer é ter alguém a quem querer,
É ver o mesmo alguém ser perseguido,
Sentir a dor do seu amor ferido
Num sentimento puro de viver

Não faças recordar tempos passados
Que logo amarguradas esperanças
Me trazem desesperanças, sonhos mil

Neles pensando fico apavorado,
Não lembres tempestades ou bonanças
E esquece o amor fingido, porque é vil




Ingratidão
Tu que tornaste minha face escura
E loucura lhe deste num momento,
Deixa viver feliz meu pensamento
No seu abraço cheio de candura

Essa indiferença cheia de secura
Que me mostraste um dia, há muito tempo,
Ora te faz viver maior tormento
E caminhar na estrada da amargura

Que importa a tua triste desventura
E todos teus lamentos, criatura?
Tudo em ti são p’ra mim palavras vãs!

Se buscas um amor, maior ternura,
Pede a Deus que te ajude na procura,
Mas a mim, por favor, deixa-me em paz!




Desilusão!
Cansei-me de ser eu, para que existo?
Cansei-me de farsar com toda a gente,
Cansei-me de imitar um outro Cristo
Diferente do que tinha em minha mente.

Cansei-me de sonhar. Sei que sou visto
Por outros como um louco e meu ser sente
Que ser humano é ser mas não ser isto
Que faz sofrer de forma tão diferente.

Cansado, ó juventude atormentada
Que tornas a minha alma revoltada,
Sou mito, triste a vida de um poeta!

Tristezas, ó tristezas sem razão,
Deixai viver em paz meu coração,
Desenterrai meus versos da gaveta!



Solidão
Que sonhos de ventura, que tristeza,
Que denso nevoeiro vagabundo
Que a fome de ternura torna imundo
E a dor que me consome assim despreza.

A turba soa além, no fim do mundo,
Gemendo melodias com frieza,
A gente já não sente e é com certeza
Alheia à pobre dor dum moribundo.

Cantai, águas do rio, águas do Tejo,
Cantai num só clamor que se praguejo
Não é por vos querer mal, é por não querer

A dor que vive em mim da qual não vejo
Chegar o fim, cantai que o realejo
Que ouvis sem harmonia é meu sofrer!



Tristeza
Se bem que estas palavras te entristeçam,
Não sintas compaixão por ti, por mim.
São muitas as pessoas que começam
Mas poucas as que vão até ao fim

Por sofrimentos mil que te ofereçam
As chagas em que vais, em frenesim,
Manténs-te surda-muda, não te interessam
As horas já vividas mas…, enfim!

Já sinto tantas, tantas reticências
Que chego a duvidar que eu seja alguém
Que vive nesta terra degradada..

Já noto tantas, tantas incoerências
Que chego a interrogar-me com desdém
Se tudo o que vivi foi mesmo nada!


Cinco de dezembro


Aquele dia cinco de Dezembro
Jamais me sairá do pensamento.
Roubou-me o amor e trouxe-me tormento,
Roubou-me a minha vida, ainda me lembro!

A minha desventura me fez membro
Dum mundo de revolta, num momento,
Os dias anos são e neste tempo
Ou fico  recordando outro Novembro

Naquela tão fatídica manhã
Toda a promessa feita se fez vã
E em vão busquei o tempo de ilusão

Desgraças mil vieram sobre mim,
Partia um sonho lindo que por fim
Quebrou o meu tão frágil coração

O teu sorriso belo que aqui vejo
Olhando em meu olhar com alegria,
Me faz viver em trágica agonia,
Me faz sentir que foste um vão desejo

Agora, em desespero, tenho ensejo
De recordar aquele doce dia
Em que, de mãos atadas, te seguia
E dos teus lábios recebi um beijo

Não fui quem to pedi, tua vontade
Me quis fazer viver felicidade!
Inolvidável tempo, nau perdida!

Amor, quero-te amor, será loucura?
Esta esperança é cancro que não cura,
É dor que faz sofrer por toda a vida!




Poetas
Quantos poemas fiz, quantas belezas
Mandei a meu amor quando era meu,
Quantas loucuras vãs, quantas vilezas
Ridículas contei, quantas, ó céu!

Chamaram-me poeta, quais nobrezas!
Que és tu, irmão poeta, mais que eu?
Poemas são palavras, são certezas
Que a mais singela frase enterneceu.

Poetas somos nós, é toda a gente
Que vive neste mundo e é somente
A forma de escrever que em nós varia

Se alguns dizem poemas a cantar,
Também os há que os dizem sem falar
E quem, silente e só, faz poesia!




Cela
Fechei o meu passado numa cela
Lancei as minhas mágoas na penumbra
Atrás daquela cela fica a tumba
Da minha desventura que foi ela

Daquela ilusão mística, tão bela,
Apenas uma coisa me deslumbra:
Saber nascer a dor que me circunda
Em moça outrora humilde, bem singela

Mas meu passado é agora esquecimento,
É nuvem arrastada pelo vento
Que leva atrás de si dor e saudade

É cor duma ilusão crente, descrente
Produto de um amor vago, inocente
Que quis na treva ver felicidade



Introspecção           
                      - Viagem ao Meu Interior

No dealbar duma quimera inconsciente,
No preambular duma croniqueta saloia,
Tu, incógnita!
Uma pergunta, uma pergunta
Com muitas respostas inconcisas,
Uma pergunta insólita
Que se junta a tantas outras,
Impostas,
Indecisas…

Por mais que devaneies,
Por mais que vagueies,
Os afluentes da tua existência
Que és tu, afinal,
Vão contigo, rio do temor,
Desaguar a um mar cheio de cor
Que como tu, que temes o tédio,
Que temes a solidão
E que tens medo o medo,
Teme a sua plenitude num abraço de loucura!
Teme ser mar calmo e em revolta,
Teme como teme a criança
O pedinte esfarrapado
Que pede esmola tremendo…,
Tremendo e temendo a sua existência!

O sol resplendece para além do infinito,
As nuvens enternecem os seus raios
Docemente lançados sobre nós
E o homem chora a tristeza de não ser,
Porque o sol brilha, embora esteja a chover
E ele continua obscuro,
Sem se conhecer!

Tu, a pergunta!
Incógnita!
A pergunta persiste em existir!
Ah! sou eu, afinal, quem não presta,
Sou eu quem detesta o sol
E as estrelas mais belas!
Na emancipação do meu tédio,
Na miopia da minha indiferença,
Na penumbra do meu esquecimento,
Vejo chegar o autocarro
No seu habitual retardamento.
Cheio, como sempre!
O embrutecimento que me trouxe
A mecanização do dia-a-dia
Habituou-me a esperar
Pacientemente, com apatia,
Comodamente instalado
Na minha poltrona de melancolia…

Ó mar,
Quantas promessas me fizeste e não cumpriste,
Quantas ternuras me trouxeram amarguras,
Quantas tristezas me fizeram ficar triste,
Quantas venturas me trouxeram desventuras!

Tédio, tédio,
Estou farto de tédio!
Mas tenho medo…,
Temo o medo como o mar teme o mar,
Como eu me temo a mim…
Quantos contrastes!

Não me falem em metafísicas irrisórias,
Não me venham com teorias filosóficas,
Não me tragam cibernéticas caquécticas,
Manias frias
Ou éticas patéticas!
Deixem-me só com as minhas filosofias,
Com as filosofias práticas
De penetração nos dias infindáveis,
Sem compenetrações em orgias enfáticas
De teorias e gramáticas
Instáveis…

Quando chegar,
Ah, quando chegar
Vou trabalhar…,
Vou jogar cartas sem parar---
…que trabalhar não é penar
Mas distrair o espírito
E não o deixar abandonado ao tédio,
Aterrorizado
No seu ancestral grito de piedade!

Não me falem em liberdade…
Que a liberdade
É aliada da responsabilidade…
Quem me dera ser livre!
Quem me dera ser livre
Sem ser responsável,
Sem ser louco, sem loucura!
Mas, infelicidade,
Minha procura irá além da eternidade,
Além do infinito,
Além da metafísica,
Da verdade de que existo
Sem ser mito!

Perguntas,
Ó, a incógnita!
A pergunta insiste em existir!

Quem sou eu, que sei que existo?
Quem sou eu
Que num desesperado grito
Resisto a ser quem sou
Sem ser mito?




Ode a George Bush

“ E vi subir da terra outra besta, 
e tinha dois chifres semelhantes aos de um cordeiro; 
e falava como o dragão.”
                                Apocalipse 13:11


George!
Chovem tormentos dos céus de Bagdad,
São os bombardeiros americanos
Que despejam continuamente
Bombas e ogivas aos milhões
Sobre povo inocente
Num gesto insensato e sem pudor.
São armas destrutivas
Que lanças impunemente,
Indiscriminadamente
Sobre palácios e clínicas,
Sobre a gente.

E tu, enfeitiçado,
Entre reuniões, cimeiras e atitudes cínicas,
Num gesto infame,
Vais atirando justificações baratas,
Como se fora um baralho de cartas,
Argumentando que esse enxame de ilusão
É para destruir armas de destruição maciça
Nas mãos de Saddam.
Intrigas, George, intrigas!

E a gente assiste, impávida, impotente,
Em tudo o que é televisão,
A tanta destruição!
É um filme sinistro,
Em discurso directo,
Espectáculo nunca visto,
Deprimente, sem piedade
E que nos fere a mente de verdade!
E, com gritos de revolta,
Inconformados,
Desabafamos:
Anda o diabo à solta!

Vem ver tantas crianças que em pedaços
Se desintegram num instante,
Num clamor lancinante e cheio de cansaços,
Vem ver as lágrimas de dor
Que aquela mãe derrama
Vendo extinguir-se a chama em flor
Que dera ao mundo  num gesto de amor…
Desgosto profundo!

Chovem tormentos dos céus de Bagdad…
São os aviões de Sua Majestade,
Aliados incondicionais,
Que despedaçam impunemente,
Digo, inutilmente,
Tudo o que lhe vai na frente…
Soluções letais
Que espalham destruição e morte na cidade,
Sobre um povo de glória,
Gesta forte,
Cuja sorte ditará também a nossa história
Até à morte!
Pobre gente, George, triste sorte!

Vem ver arder as torres de ouro negro,
Que se erguem no horizonte
Entre densos areais desertos,
Mas que são fonte de interesses encobertos…
Tochas gigantescas, dantescas,
Gritos de revolta dum povo que se agita
E vive amargurado e contrafeito
Ao ver ser destroçado, ser desfeito,
Num gesto irracional e depravado
O seu país amado.
Triste fado, George, triste fado!

Perante esta agressão
Desproporcional e infame,
Numa atitude
Desesperada e aflita,
O povo grita:
Antes Saddam,
Antes Saddam!

Vem ver vidas roubadas
De soldados americanos
Que viajam de regresso à sua terra,
Derrotados e sem glória,
Vencidos pela guerra.

Vão embalados
Em fatos de madeira
Envoltos numa bandeira
Digna de orgulho e de respeito…
Viagem derradeira,
Caminho estreito
Para tua vanglória!
Ouve os pais que choram pelas ruas
Reivindicando as vidas que eram suas…
Culpas tuas, George, culpas tuas!

A espada flamejante
Do Anjo do Senhor,
Que vigia as portas do Jardim,
Agita-se espantada
E em grande dor
Sabendo que uma guerra assim
Não leva a nada…
Que horror, George, que horror!

O Tigre e o Eufrates
Serpenteiam-se em correntes imensas
Dum sangue nauseabundo,
Prenúncio do fim do mundo!

Raquel, a pastora,
Chora em tom amargurado.
E, de seu rosto exangue,
Caem torrentes e torrentes de sangue
Já coalhado!

Chora Nabucodonosor acorrentado
Aos dias gloriosos do passado
Quando ouve, aflito,
O lancinante grito
Dum povo desprovido, despojado,
Que implora para que seja destruído
E não mais humilhado…
Que pecado, George, que pecado!

Vem ver Barroso
Na companhia de Blair e Aznar,
A caminhar abraçado,
Lado a lado,
Amedrontado, nervoso,
Para embarcar inebriado
Nesta aventura do diabo…
E, impregnados de grande gozo,
Partem para a tua Al Qaeda nos Açores,
Como se fossem num edílico passeio
Para a Ilha dos Amores!

Vão decidir
Em êxtase frenético,
A destruição dum povo
Que dizem ser o Eixo do Mal.
E que, afinal, diz:
- Estava a ser enganado.
Quem diria!
Destrói-se um povo, assim, desbaratado,
E ninguém é culpado!
Que ironia,
Que patético!

Vês, George,
Afinal, a oeste nada de novo!

Vem ver os voos da CIA,
Dirigindo-se para Guantânamo,
A aterrar impunemente
Nos Açores, nessa base permanente,
Rodeada de flores,
Agora, coutada tua.
Estranha tirania,
Ofensa grave à nossa soberania, à nossa gente!
Atitude prepotente e infame,
Bofetada sem mão
Que nos fere o coração!
Que vexame, George, que vexame!

Sobem tormentos aos céus de Bagdad!
São os últimos redutos de Saddam
Que se defendem nesta luta desigual
Do Eixo Infernal que os devora
E que fora arquitectado
Em pressupostos e traição e de mentira
Pelo mundo fora!

Sente-se ao redor um cheiro nauseabundo,
Danos e mais danos,
Coisas do mundo, enganos, só enganos,
Afinal, tudo isto sem razão.
Vai-te embora, George, que ilusão!

Vemos o ditador subir ao cadafalso,
Depois de um julgamento sumário,
Talvez falso,
Vemo-lo depois morrer, aos gritos,
Entre ritos de perfeito desamor,
Sem qualquer dignidade,
Sem respeito,
Perante o olhar da gente!
Indecente, George, que indecente!
Direitos humanos!

Agora,
No refúgio do teu degredo
Vives em segredo
Momentos de terror,
Noites de insónia…
E não dormes!
Remexes-te na cama
E num delírio intenso
Vês um vulto imenso
E perguntas com medo:
És tu, Saddam?
És tu, Osama?

Mas esse teu remorso, afinal,
Para nós já tanto faz!
Partiste, Eixo do Mal,
Deixaste-nos envoltos
Numa crise geral.
Mas, o importante
É que neste instante,
Um grito de esperança
Ecoa à nossa volta
E, embora triste,
Toda a gente resiste,
Se solta e se agita confiante,
Porque, finalmente, haverá paz,
E o mundo vai seguir em frente,
Sempre adiante
Porque tu partiste, contumaz!



Alma ingénua
Porque te espantas?
Não vês que o caroço da maça
Se entranhou bem fundo
Nas nossas gargantas?
Pobre vagabundo!

Era uma vez
O Paraíso…
Maná…
Ó, doido com juízo,
Não vês que amanhã
Já nem o sol raiará?

O que te espanta?
Não vês que um valor
mais alto se alevanta?

Pobre criança minhota,
Pobre dor,
Que vive e que dança
Na esperança remota
Duma vida em flor!

Não és mais
Que uma tocha,
Uma rocha,
Um pincel, um papel…
És brisa que desliza
Perdida, inconcisa
Na vida!

Não vês, intruso,
Que te intrujo,
Que te recuso
A verdade
E brinco contigo
Com perigo de te mostrar
Que esta manhã de luar
Não é maná,
É maldade?

Faço de ti um catraio,
Um desmaio incompreendido
Daquele ondular ferido.

Tua alma
Não tem experiência,
Carece de calma
E de inteligência!

Não vês que o mundo
É algo grande
Que se expande
Para além do oceano
Imundo,
Não profano
Mas profundo?

O que te espanta,
Alma ingénua e santa!

Nostalgia
Água turba
Na curva
Da estrada

Gota escura
À procura
Da água

Gente leda
Que leva
Tristeza

Luz ofusca
Que busca
Riqueza

Dama mansa
Que dança
Na vida

Homem pobre
Que cobre
A perdida

Tudo ferve
Mas serve
P’ra gente

Quente, fria,
Vádia
Inocente



Tristeza
Desencantaram-se as águas
E a ternura teve fim,
Desabrocharam as mágoas,
Caem bágoas sobre mim

Soltaram-se os meus gemidos,
Ouvi gritos de amargura,
Mil passos despercebidos
Continuam à procura

Os gestos, fúteis esperanças
De quem vive a ilusão
São réstias de más bonanças
No fragor duma paixão

São deuses os que governam
Com ídolos os pagãos,
São animais os que hibernam
Caindo nas minhas mãos

A vida é pura utopia
E ai de quem nela crê,
O sonho é treva no dia
Prós olhos de quem não vê

Os emigrantes emigram
Tentando fugir à dor,
As amarguras ensinam
A conhecer o amor

Não quero cantar, não quero,
Não quero chorar também
Só quero aquilo que espero
Não venha a ser de ninguém

Amo o nada mais que tudo
Gosto do lar, doce lar,
Adoro o falar do mudo
Que diz tudo sem falar

Sou cego, sou criatura
Com rastos dum outro ser,
Um diabo me tortura
Um outro me faz sofrer!
Em certo jardim do Porto
Onde há poemas pelo chão
Algo existe triste e torto
A afrontar meu coração

Poeta, diz-me, poeta,
Porque ocultas teu olhar?

Canta Nobre, canta Nobre
Para essa gente perdida
Pois mesmo a gente mais pobre
Merece um dia ter vida

Poeta, diz-me, poeta,
Em que estás tu a pensar?

Ó Jesus que estás tão perto
Desta tão ingénua gente,
Põe seu coração desperto
P’ra que não seja descrente

Poeta, diz-me, poeta,
Porque não estás a cantar?

Em certo jardim do Porto
Onde brincam mil crianças
Algo existe triste e torto
A abalar nossas esperanças

Poeta, diz-me, poeta,
Porque fixas meu olhar?

Rapazes cantam tristezas
Ali junto ao hospital
E perdem-se nas fraquezas
Mais próprias dum animal

Poeta, diz-me, poeta,
Porque segues meu andar?

Há lá poetas perdidos
Que na vasta solidão
Versejam despercebidos
Com tremores no coração

Poeta, diz-me, poeta,
O que te faz admirar?

Em certo jardim do Porto
Rodeado de verdura,
Um salgueiro quase morto
Lamenta a sua tortura

Poeta, diz-me, poeta,
Porque estás tu a chorar?

Os cisnes não se levantam
Os homens tristes estão,
Os passarinhos não cantam
E tudo é desilusão

Poeta, diz-me poeta,
Achas grande o teu penar?

Veio uma banda animar
Toda esta tristeza alegre
E, ouvindo a banda tocar,
Um homem, chorando, escreve

Poeta, amigo poeta,
Vem comigo, anda cantar!
Temo o sol que nos consola
Com seu tão doce calor,
Temo a flor que nos isola
Deste nosso imenso amor

Ó mar inocente
Paz de tanta gente,

Temo as nuvens lá do céu,
As areias do deserto,
Temo a sombra que me deu
Um olhar frio, encoberto

Finda esta agonia,
Traz-nos harmonia!

Caminhai no vosso mundo
Mas deixai sua afeição,
Deixai seu amor profundo
A alegrar meu coração

Ondas de meu mar,
Paz nos vinde dar


Segui vossa triste vida
Indiferentes a meu ser,
Não me toqueis na ferida
Deste tão triste viver

Não, não queremos ir,
Deixai-os partir!

Ide montanha a montanha
Até encontrardes paz,
Segui na vereda estranha
Do mundo que vos compraz

Mar imenso e forte,
Dá-lhes paz e sorte!

Caminhai, deixai-me só
Com meu bem, em meu temor,
Prefiro comer do pó
Que abandonar este amor

Dá-me um teu cantinho
P’ró meu amorzinho!

Tendes sol, lindas estrelas,
Tendes luz, escuridão,
Eu tenho as suas mãos belas
Que me enchem de afeição

Tanta formosura
Tem sua ternura!

Tendes águas nos regatos,
Passarinhos lá no céu,
Tendes leis, convénios, pactos,
Eu tenho a luz do ser seu

O meu mal se esfuma
Entre a tua espuma!

Vivei vossa própria vida
Que nós não temos receio
De viver na nossa ermida
Onde há amor, paz e gorjeio

Ondas do meu mar,
Meu lar, doce lar!

Ficai-vos na vossa terra,
Deixai-nos na solidão,
Levai a paz mais a guerra
Mas meu amor, esse não

Vem, amor, que o mar
Está-nos a chamar!
Necessário é, na verdade,
Existir necessidade
Para serem necessárias
As coisas desnecessárias

Não tenho porque andar desiludido
Amei-te, fui por ti correspondido

Ó nuvem lá no espaço dissolvida,
Que desces sobre a terra tão perdida

O amor só tem valor se for amigo,
Se é dado por favor, é amor fingido

Contigo traz verdade e afeição
Para quem vive o sonho, a ilusão

Não sei porquê, não fui surpreendido
Por essas vãs tristezas de cupido

O sonho é uma constante do viver,
Embora só nos vá fazer sofrer

A légua é o comprimento dum perigo,
A trégua é cumprimento dum pedido

Promessas são carícias que pagamos
Enquanto nesta terra caminhamos

Não há tristeza num amor sentido
Mas pode o sofrimento vir consigo

Amor que traz tristeza é falso amor
Que vai causar em nós tremenda dor

O amor é belo, é lindo, é colorido,
Insólito fervor despercebido

Amar é querar bem, é não cansar,
Sentir muita alegria, querer cantar

Mas nunca por lamúrias é seguido,
Amor em que há tristeza é amor fingido

Se só trouxe ilusões vâs e sombrias,
Não pode ser amor o que sentias

Solstício de Dezembro ora vivido
Por esse amor sincero já sentido

Fracassos tem quem luta, tem que sua,
Na Outono, a natureza fica nua

Meu coração ao teu se sente unido
E quer sentir que vives bem comigo

O sentimento humilde de meu fado
É ser pra ti sincero e dedicado

Só clama que lhe digas: bem querido,
Amigo és de verdade, feliz vivo

No dia em que te vil feliz, sorrindo,
Maior felicidade estou sentindo!



… e o destino partiu à aventura
       levando consigo o amor e a ternura…

Milucha,
Surgem no ar
Os primeiros raios de sol,
Reflectem-se no mar
Os olhos de quem lá vai…
E as imagens dos homens
São peixes que nadam sem nadar…

Presentemente,
Tudo é presente,
Partiram somente
Os equinócios e os solstícios
Dum mundo indiferente
Que morre em seus vícios.

Presente…, dar-te um presente…
Ah, grande Vinícius:
Não podes dar-me o que é meu!
Não podes dar-me Afrodites
Nem Atenas, nem o céu!
Então, como posso eu
Dar-te aquilo que é só teu?
Não posso dar-te um presente
Que somente a ti pertence:

Poemas teus: Luta! Vence!
Não chores porque estás triste
Porque a tristeza que agora te faz sofrer
Há-de ensinar-te a viver…
E não serás uma nau sem timoneiro!
Todos os restos
São gestos daquilo que não existe!
E tu,
Que queres que pensemos
Que não és tu,
Queres levar-nos a ver
Aquilo que nunca viste, Lu!

Não te acredites em Afrodites,
Nem em equinócios,
Nem em solstícios
Porque nessa a aventura,
Por mais que grites
Toda a amargura
Serão ócios fictícios
E não loucura!

Surgem no ar
Os primeiros raios de sol.
E olhando em teu olhar
Vejo brilhar
O esplendor do arrebol…
À porta de meu lar,
O mar,
Cresce um lindo girassol.

Reflectem-se no ar
Duas imagens,
Idílicas viagens
Para onde vais triunfante!

E sinto chamar…
E oiço cantar…

E eu aqui, Milucha,
Tão distante!
Porque me isolo,
Chamam-me amável,
Se sou instável,
Chamam-me tolo

Não causo dolo,
Sou formidável,
Sou detestável
Se tudo enrolo

Não vi Apolo,
Nunca vi Babel,
Sou agradável
Mas sou parolo

Mostro o miolo,
Chamam-me afável,
Sou odiável
Se o mundo assolo

Vivo num solo
Que é dito arável,
Não sou estável,
Sou de tijolo!
… Inesperadamente,
Entraste naquela viela
Sem quereres ver-me,
Sem tentares ver-me…
E, qual a surpresa,
Quando por força da edilidade
E do poder do mito vida,
Foste forçada a ver-me
Sem que ousasses recusá-lo,
És minha amiga!

Parámos,
Sorrimos!
Aquele harmónio
Que tempos idos
Sem se ouvir se ouvia
Cheio de harmonia –
Ó tempos loucos!,
Ouvia-se agora
A arranhar, ferindo,
Uma melodia sem harmonia
P’ra quem estava dormindo…

E eu parecia
Ver o vulto duma pessoa que conhecia
(ó loa, ó fantasia!)…
Pessoa em pessoa,
Entre Campos,
No Alvário
(ou calvário!,)
Seu heterónimo…
O harmónio insistia
Naquela melodia
Sem harmonia,
Tentava fazer-se ouvir
Mas mal se ouvia,
Quem sabe se diria:
Ser amigo, gostar de, amar algo sem amor,
Querer por querer bem,
Amar por fantasia,
Sentir sons sem harmonia,
Sentir a dor que não se sente
(Ó Camões das ilusões,
Caminho agreste das desilusões!)
Sentir algo … e se calhar,
Sentir
Mas não amar.

Amar
Como se ama todo o ser,
Todo o não ser,
Qualquer animal,
Racional ou irracional,
Nada odiar!

Seria?

O harmónio sem harmonia
Mal se entendia…
Três vezes perguntaste
Se andava de luto –
Quem luta anda de luto!,
E eu, casualmente,
Andava de luto.
Mas tu vinhas de negro,
Um negro absoluto,
E eu perguntei-te
Se andavas de luto.

Três vezes te disse
Que alguém morreu,
Três vezes procurei o céu
Para esse alguém ,
Tio do ninguém
Que ama tudo o que não se vê,
Que ama tudo o que lhe vem
Da mesma forma
Que ama aqueles que não ama,
Sem ilusão,
Ama porque ama,
Sente prazer e alegria
Em amar fraternalmente.
Ironia!
Fraternalmente!

Porque havia de amar alguém?
Afinal, o que é amar?
Querer mal?
Então, porque andamos neste mundo
Apenas para nos enganar?

Eu havia de te amar!
Amar-te? Mas porquê?
Amo-te!
Amo-te como amo todo as pessoas
Que não amo,
Como amo
Todas as coisas que não conheço…
Se te amasse
Diferentemente,
Diferente…mente,
Tentaria enganar-te
E enganar-me…
E minha alma quer ser diferente!
… E eu estou cansado de quem mente!

Se disser que te amo,
Se disseres que me amas,
Vais sofrer
E tu não gostas de sofrer
Porque custa ver o mundo, o mito,
De olhos despertos,
Bem abertos,
Porque custa ver
Realidades frias
Ocultas na fraqueza
Das tuas fantasias…

Não queiras amar-me,
Porque amar-me faz sofrer,
E tu não queres sofrer…
… Queres sofrer…
… Sofrer!

De novo aquele vulto,
O vulto daquela pessoa
Que conhecia,
Cantando a loa, a fantasia!
Seria pessoa
Que de entre Campos
Me via
E me dizia,
E me queria dizer
E eu mal queria ouvir,
E eu mal entendia,
E eu mal queria ver?

Todas as cartas de amor são
Ridículas…
Não seriam cartas de amor
Se não fossem
Ridículas…

Também eu, em meu tempo
Escrevi cartas de amor
Como as outras,
Ridículas

(Todas as palavras esdrúxulas,
Com sentimentos esdrúxulos,
São, naturalmente,
Ridículas)

A verdade
É que essas cartas de amor
Que te escrevi, amada,
São naturalmente
Ridículas,
Não valem nada!

Seria Pessoa?

Entre Campos,
O Alvário,
Um dos calvários de Pessoa,
Estava a loa da vida!...

…E o harmónio sem harmonia
Já mal se ouvia
Tocar a melodia da utopia,
Das cartas de amor,
Das minhas cartas caprichosamente
Ridículas…
…caprichosamente ridículas.
… Ridículas
Que te escrevi em tempos idos
Quando o harmónio
Que mal se ouvia
Tocava cheio de alegria,
Dentro de mim,
Dentro de ti,
Dentro da nossa utopia,
Dentro da esperança que nos sustém,
Que nos mantém de pé,
Dentro da roda da vida,
Dentro da esperança que nos mente…
…esperança que nos mente…
--- que nos mente,
… mente!!!

Como é triste,
Caminharmos lado a lado,
Sem rumo, sem fado!

Triste,
Diferente!
Acordem!
Gritos de revolta
Nos vocais da nossa consciência…

Os jornais do dia,
Cheios de lacunas impropícias,
Enchem colunas e colunas de notícias
E como os de ontem,
Como os de sempre,
Falam em sangue, sangue fervente,
Com títulos faustosos,
Manhosos,
Enganosos:

Matou, depois matou-se
Estrada ensanguentada
A mão esfacelou-se
Família assassinada

À mesa do café
Fala-se em desporto,
Discutem-se notícias do jornal
E neste mundo torto
O homem busca absorto
Uma alucinante
Fraternidade universal

Agredido o árbitro num jogo de futebol
O bem e o mal
Todo o homem é meu irmão
Queriam um banco ao sol
Passaram no hospital
Foram dormir à prisão

Acordem!
É necessário
Que as palavras se cruzem nos jornais
Para que se espantem
Todos os vampiros da terra

É necessário
Ganhar a batalha do repouso
E começar a pensar
Cruel ou calmamente
Para que a todo o instante
O estandarte da vitória
Se eleve resoluto
Nas arenas do triunfo e da glória
Desta guerra por que luto

É necessário
Lavar os pés a um mendigo de olhar triste,
Ancião de pouca idade,
Que não venha pedir por caridade
Esmola para matar a fome de ventura
Que a vida dura lhe trouxe
Num impávido crepúsculo
Dum dia de névoa

É necessário alertar os laicos,
Desprezar os párias e paranóicos,
Desmesurados arcaicos
Que contagiam a nossa energia
Com os rumores absurdos
Da sua indiferença e melancolia

É necessários convidarmos os outros
A deixarem-nos concentrar
Na nossa utopia
Para dela desabrochar
Uma nova euforia
Neste jardim florido
Plantado à beira-mar
É necessário
Que os homens despertem
Desse sono infantil
Para que os sonhos
Não sejam refúgios de um medo vil
Mas que seus olhares risonhos
Não se tornem medonhos,
Não sejam somente
Perfis primaveris
Dum novo mundo furibundo
E não descrente!

Acordem!
Acordem que há poemas de escarlate
Em todo o mundo,
Há tristezas de pasmar
Em toda a gente
E pode perecer num gesto imundo,
Num só segundo,
Tanto e tanto inocente!



O seu cabelo era loiro
Como o cabelo de oiro
Dum milheiral em flor

O seu rosto era rosado
Dum rosa que aposto
Era o da rosa mais formosa,
A mais linda do prado

A sua boca era rubra
Dum rubro tão doce
Como o da papoila mais rubra
De onde quer que fosse

E não há quem descubra
De onde era ela
E não há quem nos diga
Que a rapariga
Não fosse bela

Mas quando um dia se casou,
Tudo mudou!


O loiro cabelo
Outrora brilhante
Tornava-se escuro,
Impuro, aberrante!

O rosto,
A face bela,
Tão cheia de gosto,
Ficava amarela

A boca tão rara
E tão cheia de amor
Ficava clara
Sem cor,
Sem calor

E toda a alegria,
A força e energia,
Da moça fugia
Ao vir o amor

Tristeza!
Onde está sua beleza?


Foi quando casou
Que a bela mulher
Voltou a nascer
Velha, velha!

Caprichos da natureza!




Noviço


O padre da aldeia foi à cidade
Visitar uma criança pobre,
Atropelada no fim da semana passada
Que se encontra internada
No hospital principal

O padre da aldeia
Vive ocupado até às orelhas,
A cuidar do seu gado - as ovelhas,
Mas tinha anunciado
Na missa de domingo
Que tiraria uns momentos
Para visitar uma criança pobre,
Atropelada no fim da semana passada
Que se encontra internada
No hospital da cidade.

Quando chegou ao hospital
Soube que num dos quartos especiais
Se encontrava internado
O filho do senhor regedor
Terrivelmente acossado
Por uma…ligeira… constipação!
O padre da aldeia foi visitar
O filho do senhor regedor.
Quando regressou soube
Que as visitas às crianças pobres
Tinham terminado.
Que diabo!

O padre da aldeia ficou triste…
Mas amanhã voltará
Para visitar uma criança pobre
Atropelada nos fins da semana passada
Que se encontra internada
No hospital principal.

E depois, os jornais paroquiais
Vão noticiar
Que um padre da aldeia muito atarefado
Foi encontrado
A visitar por caridade
Uma criança pobre
Atropelada no fim da semana passada
Que se encontra internada
No hospital da cidade.

O pobre ceguinho
Sabia o horário
De todas as camionetas…
E sabia até
Que alguns dos passageiros
Mais patetas –
Famosos caridosos de café,
Iriam acreditar
No seu conto do vigário:

Que em pequenino
Quis o destino roubar-lhe a vista…
… E nunca mais viu
A lua cheia,
E pra sua amargura
Teve que pedir
Para resistir
Sem sucumbir…

Macabra a ideia,
Triste a desventura!

- Dêem esmola ao ceguinho!

E mesmo o nutrido
Padre da aldeia
Se sentiu condoído…
E, num gesto corajoso
E altruísta,
Sem sequer pensar
Em dar na vista,
Puxou de cinco tostões
E caridosamente
Os colocou
Nas mãos do pobre ceguinho.

Ó, céus!,
Graças a Deus!

- Seja pela alminha de quem lá tem…

- Amen!

E o padre sentia alegria
E nem podia
Sequer imaginar
Quanto a pequena quantia
O iria ajudar
A suportar a carestia
Dos impostos
E a pagar a despesa
Para conservar
O seu prédio de rendimento
Construído há pouco tempo
Numa vila turisticamente evoluída,
Comercial e vasta.

Pobre ceguinho!

E o ceguinho andava
Profissionalmente triste
Porque se não persiste
Nada vem,
Se não insiste,
Nada tem,

E ele.
Dum modo diferente,
Felizmente
Via bem!


História duma criança pobre
Que vive com a mãe
E teve por pai um prisioneiro
E por padrinho um carcereiro
Que lhe chamou Liberdade

Filhos da terra e de ninguém,
Abandonados por quem
Os ama, os quer, os tem…

Tu, filho da terra.
Tu, gerado
Das lavas de um vulcão ébrio,
Ficaste abandonado
Sem nome, sem fado!

Tédio!
Tédio para os homens sem remédio!

E foi o padre, deixai-me pasmar,
O padre da aldeia que a foi baptizar

Filhos da terra e de ninguém,
Prisioneiros revoltos
Dos cárceres soltos do além…

Tu, carcereiro odiado,
Tu, filho de ninguém,
Foste o padrinho
Do rebento abandonado
Que vive com a mãe!

A alma tua
E a tua desventura
São a esperança de felicidade
Para essa criança
Que vai sentir piedade
De gente malvada…
E tu, filho do nada,
Filho da ternura,
Apenas lhe chamaste
Liberdade!

Ó prisioneiro do além.
Que busca essa verdade
Nas celas e nas lutas,

Prisioneiro por caridade
Que foge  das garras de tigres famintos
Das savanas corruptas,

O filho és tu,
Seu ser a liberdade
E tu, pai, o teu prisioneiro!

… e o preso viu fugir-lhe a Liberdade
Nos braços da mulher do carcereiro!



Disseste que meus actos espontâneos
São impetuosos, agressivos, absurdos…

E deste-me a entender que sou um louco!

Depois, perguntaste-me
Se sou doido ou se me faço de doido.

Fizeste-me entender que sou um louco!

E é pensando nisto
E vendo tanto interesse
Em melhor me conheceres
Que em boa verdade,
Com inocência e humildade,
Te venho convidar
A continuares a perguntar
E a pensar de mim o que quiseres
Que eu não me ofendo, nem fico ferido!

Que eu só me ofendo quando me ofendem
E não quando me fazem perguntas
Sem sentido!


Quis escrever um soneto selvagem
Bem à imagem daquilo que eu sou
Não obedece à métrica ou à regra
Que a poesia é cega… e acabou!



Quando cheguei ao espelho o meu rosto
E me fitei ainda com a esperança
Que um dia me encontraria, sem gosto
Fiquei ao ver uns olhos de criança

Velhos, velhos! Com desprazer me encosto
E ali fico tão vário que me cansa
Saber que sou eu e quase que aposto
Que nem eu sou. E já sem confiança

Olho-me bem. Tristeza! Baixo os olhos
E sem querer fito o chão. Só escolhos,
Só lixo. Não, sou só! Porque não vou

Convosco? Somente por cretinisse.
De novo, olhei p’ra mim e p’ra mim disse:
- Não posso mais deixar de ser quem sou!...
                   
… e adormeci no sono da vida



Faço poemas de coisas que gosto
Porque gosto de escrever poemas
E mal sei fazer poemas,
Do que faço ou não faço

Gosto de atacar as coisas que detesto
E de fazer coisas que não faço

Detesto tudo aquilo que não gosto
Mas que gostava de gostar
Para as poder fazer

De resto,
Deixaria de atacar, aposto,
As tais coisas que não gosto…,
E começaria a gostar

E faria poemas que gosto
Das tais coisas que não gosto

De resto, nada mais teria
Contra as tais coisas que detesto…

E, meus amigos, para mim seria um gosto!



Que fizeste,
Ó turbilhão louco de amargura,
Pária da ventura, precoce na desventura?

Perseguido,
Maltratado,
Ferido,
Abandonado!

Que fizeste por tão pouco
Aqui viveres como um louco,
Desnudo,
Longe de tudo?

Que fizeste
Para tão grande sofrimento
Baixar sobre ti?

Caminho agreste,
Ó apanágio do tormento
Sobre o qual pereci,
Porque vieste?

Cruel perseguição
Lançaste sobre mim,
Que fizeste?
Ó meu anjo serafim,
Também tu me abandonaste?

Vida de contrastes,
Desesperança dos homens desesperados,
Cheia de bons e maus grados,
Sem fados
Para viver a dor que tinha em mente
Que te veio tão diferente!

Ó pária da ventura,
Porque caiu sobre ti a desventura?
Que fizeste?
Que fizeste?



Para quê pedir-te que não sofras
Se sou eu quem sofro?

Para quê pedir-te que não me ames
Se só eu te amo?

Para quê pedir-te que me esqueças
Se eu não te esqueço?

Para quê pedir-te que me fujas
Se te persigo a cada instante?

Para quê dizer-te
Que cada poema que te escrevo
É a minha última carta de amor
Se para o amor não existe fim?


Para quê fingir que te esqueço
Se és tu o meu pensamento?

Para quê fugir por entre as multidões
Se ali me sinto só?
Deixa-me, bem, deixa-me!
Não quero mais amar-te
Porque te vejo a cada instante,
Não quero mais ter-te
Porque és minha, minha!
Mas, deixa-me!

Fujo, fujo de ti,
Refugio-me no meio de delinquentes
Procurando esquecer-te,
Deixa-me sentir a ternura
Daquela mão serena
Que maquinalmente me afaga,
Deixa-me sorrir àquela que com doçura
Me sorri, se entrega com ternura,
Deixa-me afastar delicadamente
Aquela que me abre as coxas
Que eu não quero violar
Porque não sei amar!

Deixa-me sentir o abraço carinhoso
Daquela moça amiga
Que os caminhos da vida
Traíram e atraíram àquela vida…
Deixa-me viver entre os seus braços,
Afastado de torturas e cansaços,
Deixa-me, deixa-me!

Para quê pedir-te que me deixes
Se sou eu que não te deixo?



Em Lisboa
Aqui,
Revoltoso, quase louco,
Aqui,
Sereno, ingénuo e casto,
Aqui,
Quase que naufragado
Na miopia das palavras,
Quase estalado em gritos à toa
À loa da vida!

Quem sou eu?
Numa cidade de tormentos e ruídos,
O silêncio, a solidão, o vazio!

No Parque Meyer
Vejo dois filmes de rajada!
Sina macabra
E que espezinha!

Que mistério, ó Deus (se existes),
Que mistério,
Que treva a minha!

Aqui,
Leio e releio
Memórias ditosas
Revivendo as palavras revoltosas,
Enganosas, quase loucas,
Os versos serenos,
Ingénuos e castos
Que escrevi,  aqui, de rastos.

Nesta cidade de ruído
Onde a paz é tormento,
Onde cada momento se evapora,
Sem sentido!

Aqui,
Hora após hora,
No meio de um gelo que incendeia
O pudor destas entranhas,
Com dores tamanhas
Que destroem a alma.

Aqui,
Onde nem o fogo de alma
Nos sacia e nos acalma!


Apelo


Quem chamar?
Quem poderei chamar
Para me acompanhar?

Só, no silêncio da treva,
Ouvindo os ecos de terror
Dos meus passos sós!

Os túmulos de pedra que me circundam
Num pensamento veloz
Estão vazios.

Do inferno do meu deleite
Quem poderei chamar?
Tu?
Amanhã virás
E eu hoje partirei…

Que importa?
Nossos destinos são diferentes
E sós,
Embora saibamos
Que eu ou tu seremos… nós!

Esta tarde encontrei-me
Com a desgraça da vida,
A farsa desiludida,
A ânsia preferida…
Fui a um baile,
Ao baile carnal p'ra gente fingida,
Ao baile de carnaval

É carnaval, ninguém leva a mal!
Não havia máscaras
Porque todos fomos mascarados.
A minha máscara
(eu também fui mascarado)
Não era mais do que uns rebentos leves
De barba de dois dias.
Os trajes meus nada tinham de exótico,
Eram simples roupas de trabalho
As que levei para aquele
Cataclismo estardalho.

Não ingeri cocaína – não havia, nem haxixe,
Fumei tabaco, tabaco,
O resto, que se lixe!
Não abracei as moças com quem dancei,
Não tive gestos eróticos
(Ó! quem me dera estar certo
De que não tive gestos eróticos!)
Não!, penso que não tive
Gestos eróticos.
Quanto mais que só dancei
Com mulheres racionais…
Não as apertei demais
De encontro ao meu peito
Porque eram sérias e respeitáveis
E eu tenho pudor por aqueles
Que sendo amáveis
Sabem portar-te onde quer que for
Como pessoas sérias e responsáveis!.
Se tivesse dançado
Com certas meninas que lá vi,
Tê-las-ia apertado tanto, tanto!
Sentiria vergonha, bem sei,
Estou certo de que me teria envergonhado
Mas poderia dizer que tinha mergulhado
Na penumbra do prazer,
Do inesperado…
Afinal, é dia de carnaval!
Ninguém leva a mal!
Havia lá muita gente,
Muitas meninas respeitáveis
Mas não dancei com certas meninas
Respeitáveis que lá vi
Porque…, bem,
Seria diferente…, bem fixe
Sentir-me-ia envergonhado…,
Mas…,, que se lixe!
Afinal,
É carnaval, ninguém leva a mal,
Talvez nem seja uma pessoa
Respeitável!

Além do mais.
Mesmo nestas coisas de carnavais,
Não estava barbeado,
E, alheio aos costumes,
Não usava perfumes.
E, mesmo com gestos afáveis,
Tenho um feitio bem levado.
E as meninas eram respeitáveis,
Diabo!

Ai, se eu dissesse
Que fui a um baile de carnaval
Dançar e ver dançar
E não dancei
Como os outros dançavam…
Ai de mim,
Ninguém se acreditaria!

Por isso,
Guardo para mim esse segredo
Para que o enguiço e o medo
Não me apanhem na ruela.
E, no meu degredo,
Numa das suas esperas,
Me venha a surpreender
A guardá-lo com carinho
E com cautela
Na Arca de Quimeras,


…é que a razão de existir
    não é para pagar,
    não é para pedir!

… Por isso sou antagónico
E vivo a tristeza de ser
Sem saber quem sou.

No pérfido estoicismo de meu ser,
Um olhar anacrónico
Quer saber quem é…

E as respostas sucessivas
Valem pouco
Para um louco
Que vive porque vive,
Que vive porque sofre!

Sou paladino de Marte,
Poeta sem arte,
Descrente com crença
Porque a tristeza não parte
E a vida é um enfarte
Que pensa que pensa!

Nem os sonhos de criança
Me despertam,
Nem as tempestades dão bonança!

Fui ver o mar, fiz poemas
Com suas imensas águas,
Lá deixei as minhas mágoas
Ao cantar as minhas penas.

E tu, mar,
Revoltoso e triste,
Ouviste chorar,
Quiseste-me olhar
Com olhos medonhos
cobertos de sonhos,
ondas tuas mar!

e confiei . E a crença minha
me fez crer em ti,
 E, num tom eloquente,
pedi-te para me ajudares
mas não quiseste
Ou não pudeste…
Indecente!
Fizeste-me pensar
Que não soubeste!
Fiquei descrente!

Como pode ter valor
Tua grandeza?

E tu, papoila?
Tua beleza
Tão rara e tola!
E tu, salgueiro?
E tu, natureza?
Tudo partiu,
Tudo morreu!

Deitei detergente
Nas águas do mar,
Tentei-me lavar,
Fiquei indecente

Lancei a semente
Da mais linda flor,
Perdi meu amor,
Tornei-me descrente

Perdi meu salgueiro
Nas margens dum rio,
Meu amor vadio
Foi meu cativeiro

Por isso sou antagónico
E vivo a tristeza
De ser anacrónico,

Por isso, minha loucura
É procura
Da vida que me deixou.

Morrer?
Como podes perguntar-me
Se estou vivo
Se não conheço a morte?

Não, não me convides a fugir
À razão de existir,
À razão de sofrer

Que ninguém pode impedir
Meu sombrio existir,
Meu tão triste sofrer!


Já caem as primeiras chuvas de Novembro
Nas ruas onde há muito tempo fui feliz,
No beco onde encontrei – ainda me lembro!
Um Anjo Branco que só p'ra mim ficar quis

Voltai a vir, bonitos dias de outras eras,
Voltai a mim, voltai a dar-me o que era meu,
Voltai-me a dar meu paraíso, o chão com heras
Que seu andar pisou sereno ao vir do céu

A chuva bate já em tom de desespero
Na janela que o sol beijou na primavera
Como a chamá-la para ver o seu desterro
Aonde vive lá no país da quimera

Já não tem brilho a luz do dia, tu partiste!
E chora o céu, o mar, o sol, tudo mudou!
Ó linda noite de luar em que surgiste
Naquele Outono frio e quente que passou

Regressa, ó tempo dos chuveiros, das corridas,
Regressa amor, do teu exílio descontente,
Regressa, ó paz, ao coração de tristes vidas
E dá-lhes luz do nosso amor, eternamente!


Chamem-me louco se pensam que vim ao mundo
Para convosco cá ficar eternamente,
Chamem-me louco se notarem ser diferente
Só porque vivo com um desgosto profundo

Chamem-me louco se um dia fugir p’rá treva
E se me virem conviver co’a solidão,
Chamem-me louco se peço a meu coração
Que só verdades para toda a gente escreva

Chamem-me louco ao ver-me sorrir contente,
Chamem-me louco ao ver-me chorar um dia,
Lembrem-se sempre que a tristeza é alegria
Na nostalgia desta vida indiferente

Se for mentira este pensar do coração,
Chamem-me louco, doido, parvo e impostor!
Se p'ra viver é necessária tanta dor,
Chamem-me louco e viva eu nesta ilusão

Chamem-me louco se me rir de vós um dia,
De um triste mundo que p'ra vós assim criastes,
Vivei co’as guerras infindáveis que inventastes
E viva eu na minha humilde fantasia

E se disserem ao meu povo que sou louco
E que meu mundo é apenas sonho que não findo,
Chamem-me louco pois não podem ter ainda
Paz e sossego nem que seja por um pouco

Chamem-me louco se me virem criticar
O que fizeram vossos braços indiferentes
Auxiliados pelos de vossos parentes
Que, inocentes, também quiseram ficar

Chamem-me louco porque vivo indiferente
Aos chamamentos do vosso mundo melhor
E se quiser p'ra mim ficar com esta dor,
Chamem-me louco, sempre, sempre, eternamente!

Poemas são nossas vidas
E as dos outros animais,
Poemas são vendavais
E árvores ressequidas

Poemas são naus perdidas
Lá no mar, nos temporais,
Poemas são, nada mais,
Que lágrimas afligidas

Poemas são as venturas
De todas as criaturas
Que vivem por ter um lema

Poemas são mil ternuras
Que me dão as mãos tão puras
Do meu mais lindo poema


Furibundo?


Na Universidade da Vida,
Faculdade da amizade,
A minha vida perdida
Encontrou felicidade

A amizade é-nos querida
Se existe sinceridade
Mas não passa de fingida
Se nela houver falsidade

Amigas tenho só duas:
A primeira, é minha mãe,
Da outra não digo o nome

As minhas mágoas são suas
E o mais que esta vida tem
É chaga que nos consome



Sem vida parte o poeta
Que toda a vida sonhou
E não atingiu a meta
Com os versos que cantou

Sem vida parte a andorinha
Que cantou na primavera
Chorando os cantos que tinha
Nos seus momentos de espera

Sem vida parte o salgueiro
Que foi sombra p’ró poeta
Que foi lar p’rá andorinha

Sem vida está meu canteiro
Porque esta vida indiscreta
Lhe roubou a vida minha



Um duende que caminha
Nesta vida prostituta,
Um louco que se avizinha
Se não desistir da luta

Luta inglória, sem sentido,
E que ninguém compreende,
Nu passo que me é detido
E faz de mim um duende

Luta ingénua, sem razão,
Que atormenta o coração
De quem mostra mais coragem

É essa luta que os dois
Venceremos e depois
O duende é só miragem!


Vinte e cinco anos

Já lá vai o tempo da quimera,
Nasceu, morreu em vão o Estio vão,
Nasceu, cresceu em força a Primavera
A chuva e o cacimbo lá de Angola
Foram esmola para os nossos corações
Despertados para a vida!

Não fossem estes anos de harmonia
E a nossa união não existia.
Que vale viver a vida e o infinito
Se a viva não for vida, se for mito?

Que importa ao corpo fraco estar temente
Se o Verbo habita em vida em cada crente?

Vinte e cinco anos,
Esta união que agora os olhos choram,
Choram de alegria,
São a prova humilde de que o amor existe
E que persiste momento a momento
Para além da fantasia e sofrimento! Aleluia!!!




Filosofando

Quando corres nesta vida
Como cavaleiro errante
A meta de cada dia
Te parece mais distante

Diz verdade com carinho
No caminho que te resta
Que a verdade sem carinho
Conduz-te no mau caminho
E, acredita, não presta!

E a verdade nua e crua,
Seja minha, seja tua,
Toda a mentira detesta.




Momento

Lavam-se as mágoas com tempo
E as tristezas com ternura
Mas nada lava o momento
De beleza da loucura

Louco sou quando é mais bela
A vida que em mim se deu
E sinto que essa aguarela
É o caminho do céu


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